Uma comitiva de 15 representantes da Cáritas Alemanha vivenciou
parte do cotidiano de comunidades tradicionais localizadas nos municípios
paraenses de Belém, Ananindeua e Abaetetuba, onde a entidade parceira e o
Ministério de Desenvolvimento da Alemanha financiam dois projetos realizados
pela Cáritas Brasileira Regional Norte II (Pará e Amapá). Foi possível experimentar
peculiaridades amazônicas como as distâncias e as “estradas de rios”. E, mais
que isso, conversar com os moradores para saber de suas esperanças, do empenho
para proteger as crianças e das ameaças impostas por empreendimentos econômicos
que atendem os mercados nacional e internacional de madeira, minério e gado.
O grupo permaneceu no Pará no período de 19 a 26 de novembro.
Durante a semana, visitou um abrigo para migrantes indígenas venezuelanos da
etnia Warao, no distrito de Outeiro, localizado em Belém, capital paraense que
tem 1,6 milhão de habitantes. Também esteve nos territórios quilombola
Abacatal, localizado em Ananindeua, município da Região Metropolitana de Belém,
com 400 mil habitantes, e Bom Remédio, no município de Abaetetuba, região
nordeste do Pará, com 153 mil habitantes.
No abrigo, conversaram com os Warao atendidos pela Cáritas
Brasileira através do projeto “Orinoco – Águas que Atravessam”, voltado às
populações migrante e de rua. Expostas às condições insalubres e à violência,
essas pessoas recebem o apoio das equipes da Cáritas Belém, entidade membro da
Regional Norte II, para adotarem minimamente os cuidados com higiene (lavagem
das mãos e banho), obterem alimentação básica e se instruírem sobre seus
direitos à rede de assistência.
No território do Abacatal, percorreram o “caminho das pedras”, uma
estrada no meio da mata construída pelas pessoas escravizadas durante o período
colonial do Brasil. A trilha segue até a beira de um rio e por ela, os
“senhores” do engenho, proprietários das terras e dos escravos, eram carregados
em rede até as canoas para não molhar os pés no terreno de várzea. Símbolo de
um momento de dor para os povos trazidos à força da África, esse espaço
preservado pelos moradores é um dos elementos reconhecidos legalmente como
prova da propriedade quilombola.
Vanuza Cardoso, uma das lideranças do território e hoje presidente
do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, é descendente
da escrava Olímpia que teve três filhas (Maria do Ó Rosa Moraes, Maria Filismina Barbosa e Maria Margarida
Rodrigues da Costa) com o conde Coma Mello, proprietário da fazenda àquela
época, onde se plantava cana de açúcar e cacau. Hoje, a comunidade composta por
560 habitantes trabalha com a agricultura familiar rural e com o quintal
produtivo.
A liderança observou que o caminho
das pedras encerrou um período doloroso dos seus ancestrais, mas a luta
continua para que o território seja alcançado pelas políticas públicas e só
recebe empreendimentos públicos ou privados se os moradores consentirem
previamente. A comunidade já possui o Protocolo de Consulta previsto em lei,
mas uma empresa concessionária de energia elétrica se instalou no espaço e uma
estrada estadual está sendo planejada para cruzar o terreno sem a escuta dos
moradores.
No Abacatal, o projeto Programa
Global das Comunidades da Nossa América Latina realizado através da Cáritas
Norte II tem atuado para que as práticas de proteção ambiental adotadas há
décadas sejam aperfeiçoadas e para que as lideranças sejam fortalecidas passando
a ocupar os espaços políticos decisórios. E, ainda, para que a comunidade
internacional enxergue e atue no combate às violações de direitos cometidas
contra os territórios.
O programa é desenvolvido também em
Abaetetuba e outros nove municípios do Pará e três do Amapá. Em todos eles, a
meta é apoiar as comunidades para que se protejam do deslocamento forçado e se
adaptem às mudanças climáticas através do uso de
tecnologias e mecanismos que as ajudem a produzir melhor e em sintonia com o
meio ambiente.
Abaetetuba – no território Bom Remédio, a comitiva
participou de rodas de conversa com a comunidade. Foi um momento importante
para que crianças, adolescentes, jovens e sobretudo mulheres demonstrassem o
protagonismo que assumiram no combate à exploração sexual de crianças, na
proteção dos territórios e na prática da economia popular solidária.
Jéssica Cunha, uma das jovens voluntárias da Cáritas Abaetetuba, disse
que o trabalho começou a dar resultado quando deu visibilidade ao problema. “A
gente achava que não existia abuso, tráfico aqui. Abrimos nossos olhos porque
nós aprendemos e começamos a observar todas essas coisas. Passamos a cuidar
mais das crianças, das escolas”, contou.
A voluntária explicou que o trabalho exige reuniões quinzenais e
vários recursos como o uso de vídeos com linguagem simples para falar com as
crianças sobre como identificar situações de risco. A música é um dos recursos
utilizados e já existe uma composição própria para ensinar sobre a proteção do
corpo.
Segundo levantamento da UNICEF e do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, cerca de 35 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta
no Brasil, entre 2016 e 2020. Pelo menos 180 mil sofreram violência sexual no
país nesse período e os números mostram que o crime ocorre, prioritariamente na
primeira infância e no início da adolescência.
É nesse cenário que as ações da Cáritas são desenvolvidas,
buscando fortalecer a rede de proteção às crianças através de formações,
denúncias, orientações sobre como agir em situações de risco e cobrança dos
órgãos responsáveis pelo atendimento especializado. Em Abaetetuba, os
adolescentes agem como multiplicadores das orientações nas escolas.
Alemanha – o chefe da Caritas Internacional Freiburg, Oliver
Müller, disse que o objetivo da vinda foi saber sobre as bases de proteção da
vida nas comunidades assistidas. Ao final da visita, se disse muito
impressionado com a destruição, mas também com o empenho da Cáritas para apoiar
e proteger as comunidades.
Müller
contou que o trabalho realizado para combate à violência sexual contra crianças
o impactou e precisa ser fortalecido. Ele revelou que a Cáritas Alemanha quer
continuar apoiando os projetos e reforçará a necessidade de ajuda junto ao
governo alemão.