COLABORE

Representantes das Comunidades Tradicionais Quilombolas pautam o poder público em Brasília

Institucional

Ação faz parte do Programa Global, da Cáritas, e promoveu debates sobre direitos territoriais e humanos na última semana.

Publicação: 29/05/2023


A Cáritas Brasileira articulou uma extensa programação no Distrito Federal para intermediar o diálogo de lideranças de povos tradicionais das regiões Norte e Nordeste do Brasil com autoridades federais entre os dias 22 e 25 de maio. Nos eventos, foram pautadas demandas sobre direitos humanos e territoriais, impactos de grandes projetos econômicos e crise climática. A comitiva, vinda dos Estados do Pará, Amapá, Bahia e Sergipe, teve cerca de 40 pessoas, entre assessores da Cárita Brasileira e da Cáritas Alemanha, somados às lideranças de povos e comunidades tradicionais dos Estados.

A agenda contou com o I Seminário de Incidência Política de Povos e Comunidades Tradicionais (22 e 23/05), Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos no Senado Federal (24/05), reuniões ministeriais e com diversos tomadores de decisão (23, 24 e 25/05). Além do registro de importantes denúncias por parte das comunidades e compromissos assumidos por autoridades, a agenda permitiu encaminhamentos concretos imediatos como a visita do Incra à comunidade Rio dos Macacos no último domingo, 28.

Durante todo o percurso das atividades, deu-se prioridade às lideranças das comunidades para que relatassem as graves e inúmeras violações de direitos humanos e territoriais que têm acontecido nos seus territórios como deslocamento forçado, contaminação das fontes alimentares, impedimento de acesso a locais de pesca, esgotamento de espécies de animais consumidos, invasão de seus territórios, grilagem de terras, ameaças e risco de vida, violência contra ativistas de direitos humanos e ambientais, que se opõem a atividades econômicas e projetos de grande escala. Muitas vezes, a violência está associada à instalação de grandes empreendimentos econômicos como os de grãos, implementação de energia eólica nos territórios, mineração ou à ação do Estado, como nos casos de conflitos com a Marinha.

  

Enfrentamento aos grandes empreendimentos

O tema dos impactos dos grandes empreendimentos e do dito “progresso” tem sido muito debatido nas comunidades e na Cáritas enquanto busca aa Sociedade do Bem Viver. "O desenvolvimento para nós é uma coisa bem diferente do que é dito nesse sistema. Desenvolvimento para nós é reenvolvimento: reenvolvimento com a terra, com os processos culturais, com a biodiversidade, com os processos comunitários...", afirma John Santiago, da Comunidade quilombola São Manuel no Pará. 

 “Esta oportunidade que a Cáritas Brasileira nos deu por meio do Programa Global é fundamental para que a gente possa colocar as violações de direitos humanos que estamos sofrendo, mas também de denunciar os impactos ambientais que vem acontecendo com estas grandes empresas capitalistas que estão ameaçando nosso modo de vida, nossa cultura e nossos saberes tradicionais”, complementa Alex de Souza Maciel, articulador do Programa Global  e Liderança do Território Quilombola do Rio Alto Itacuruçá. 


Programa Global

Um dos objetivos do Projeto “Programa Global das Nossas Comunidades da América Latina” da Cáritas Brasileira, executado pela Cáritas Regional Nordeste 3 (Bahia e Sergipe) e Cáritas Regional Norte 2 (Pará e Amapá) é fortalecer as comunidades e os povos tradicionais na luta pelos seus direitos, ampliando a participação política deles nos espaços de tomada de decisão (incidência política). O assessor da Cáritas Regional Nordeste 3, Geri Lima, pontua: “A Rede Cáritas é referência de incidência política. Este caminho aqui é apenas uma maneira de reafirmar o potencial da ação deste organismo tão importante da igreja no seu contexto atual onde se perde muitos direitos e a incidência vai nos animar para que continuemos na luta por direitos e garantias dos povos e comunidades tradicionais.”.

De acordo com o diretor executivo da Cáritas Brasileira, Carlos Humberto Campos, “a Cáritas Brasileira escuta, reflete, debate e quer assumir junto com as lideranças comunitárias tão atingidas pelos grandes projetos no Brasil, quer retomar esse trabalho. E tudo o que nós escutamos dessas lideranças nos emociona, mas também nos impulsiona para animar o trabalho junto às comunidades”, afirma.




                Comitiva da Cáritas Brasileira Regional Nordeste 3. Foto: Acervo





Comitiva da Cáritas Brasileira Regional Norte 2. Foto: Acervo



Seminário

O objetivo do evento foi debater e aprofundar temas chave como direitos dos povos e comunidades tradicionais, igualdade racial, crise e mudanças climáticas, impactos de grandes projetos, direitos fundiários e conflitos agrários. Também se falou do Direito à Consulta e à Autodeterminação, Protocolo de Consultas, direitos garantidos pela Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT).

Além das lideranças das comunidades e assessores da Cáritas Brasileira, participaram dos debates representantes da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural e Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social, PSOL/CE, Observatório do Clima, Núcleo Agrário do Ministério Público Estadual do Pará, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Ministério Público Federal, OIT, Departamento de Gestão Socioambiental e Povos e Comunidades Tradicionais da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e o Professor Doutor da Universidade Federal do Pará e da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia (CIDHA), Dr. Girolamo Treccani.

  Para a secretária executiva do Regional Norte II, Ivanilde Silva, “este Seminário foi de suma importância para a Rede Cáritas, não somente pro Norte II e pro Nordeste III que ajudaram na construção e propuseram o seminário com a ideia de dar voz às comunidades, que acompanhamos pelo Programa Global, mas também pelo fato de ser aqui em Brasília, na capital do país, possibilitando para além da escuta e da partilha, fazer a incidência e o diálogo nos espaços de decisão”.




Veja um vídeo com depoimentos sobre os dois dias de Seminário AQUI


Audiência no Senado Federal

A Comissão de Direitos Humanos do Senado realizou audiência pública, no dia 25 de maio, para tratar de violações sofridas pelos povos e comunidades tradicionais do Pará, Amapá, da Bahia e de Sergipe. A reunião foi solicitada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), por intermédio da Cáritas Brasileira. O parlamentar deverá solicitar novas reuniões, acionar os órgãos responsáveis pelas situações relatadas e propor emenda de comissão direcionada aos povos quilombolas, ribeirinhos, marisqueiras e de fundo de pasto.

A audiência teve como tema “Cáritas: violações sofridas pelos povos e comunidades tradicionais” e contou com a participação de cerca de cinquenta pessoas, a maioria lideranças de comunidades tradicionais levadas ao Distrito Federal pela Cáritas. Entre as violações relatadas estão as sofridas pelo território quilombola Brejão dos Negros (SE). Conforme Maria Izaltina Santos, as comunidades carecem de políticas públicas básicas como fornecimento de água (três das cinco comunidades recebem água de carro pipa por ordem judicial), enquanto seus espaços são ocupados por termelétricas, usinas eólicas e condomínios de turismo de luxo.

Brejo Grande, assim como o território quilombola Lago do Maracá (AP), reivindicam não só as políticas públicas, mas também a titulação dos territórios e o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada prevista na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essas seriam condições para cessar as ameaças sofridas por lideranças, garantir o acesso das comunidades aos créditos que podem fazê-las desenvolver ainda mais suas economias e proteger a vida das gerações atuais e futuras.

A gravação da Audiência está disponível no site do Senado Federal. Assista AQUI




O Senador Paulo Paim falou sobre os encaminhamentos da audiência, em favor dos Povos e Comunidades Tradicionais:




Reuniões com tomadores de decisão

Entre os dias 23 e 25, representantes das comunidades, acompanhados pelos assessores da Cáritas Brasileira, estiveram com diversos tomadores de decisões na Câmara, nos Ministérios e órgãos públicos federais.  Divididos em grupos com representantes de cada região, eles reuniram com deputados, chefes de gabinete e diretores e entregaram a cada um uma “Carta-denúncia”, contendo detalhes das violações de direitos e as situações em que se encontram cada uma das comunidades. A escuta levou a encaminhamentos concretos ou a indicações de como as comunidades podem seguir fazendo incidência. 

Márcio Lima, assessor da Cáritas NE3 e Coordenador do Programa Global na região da Bahia e Sergipe, considera que o balanço destas visitas foram bem positivas, até porque estávamos vindo de seis anos de retrocesso, com ataques às Comunidades Tradicionais e desvalorização das políticas públicas voltadas aos povos. “Em dois dias, a gente percorreu mais de 15 espaços políticos fazendo a incidência. Fomos em Audiência Pública no Senado Federal, reuniões de trabalho com ministérios e secretarias, visitamos gabinetes de parlamentares, entregamos e protocolamos vários documentos, inclusive no Incra que é uma demanda muito concreta e necessária para as nossas comunidades no que se refere à titulação desses territórios quilombolas”, sustenta. Lima também menciona que agora estamos conseguindo retomar o diálogo com o governo no campo da incidência nas políticas públicas e afirma que “agora o que fica é seguirmos atentos e monitorando os encaminhamentos que foram firmados durante nossos dias aqui em Brasília”. 

“Estes dias foram importantes para que nós pudéssemos estar cobrando agilidade e eficiência  das autoridades para que possam tomar decisões eficazes e se posicionar diante destas violações de direitos que as Comunidades Tradicionais vem vivendo há muito tempo. Poder fazer a incidência num espaço onde os tomadores de decisão estão é fundamental para nós enquanto comunidade tradicionais porque nós somos tão invisibilizados dentro das nossas comunidades, tão discriminados, que é necessário denunciarmos em instâncias maiores onde as pessoas possam nos verdadeiramente escutar”, diz Alex de Souza Maciel, articulador do Programa Global  e Liderança do Território Quilombola do Rio Alto Itacuruçá. 

Incra

No dia 23, já como fruto concreto de debate do primeiro dia do Seminário, a diretora de Desenvolvimento do Incra, Rosilene Rodrigues, e a diretora da Câmara de Conciliação Agrária do órgão, Maíra Diniz, e o coordenador-geral de Regularização de Territórios Quilombolas (DFQ),Oriel Moraes, receberam a comitiva de lideranças e Cáritas uma vez que muitos problemas estão associados à demora na titulação dos territórios ou no reconhecimento dos documentos fundiários para o acesso aos créditos que poderiam garantir obras de infraestrutura nesses espaços.

Os diretores se comprometeram a identificar os processos administrativos e articular o destrave dos procedimentos junto a todos os órgãos envolvidos. Além disso, durante esta reunião foi marcado o encontro presencial do Incra à Comunidade Rio dos Macacos (Salvador, BA) que aconteceu neste último Domingo (28/05) e que teve como encaminhamento de ser o primeiro da Bahia a receber o Crédito Instalação, que terá um apoio Inicial no valor de R$ 5,2 mil por família. 

Para Rose Meire Silva, liderança do Quilombo rio dos Macacos, que há poucos dias atrás já havia entregue uma carta-denúncia ao presidente Lula em sua passada em Salvador: “o Incra nesta reunião em Brasília se comprometeu a vir no Quilombo do Rio dos Macacos neste último domingo (28/09). Eles vieram e  falaram sobre um benefício que a comunidade tem direito e, segundo informação deles, vão correr atrás para que cada família consiga esses benefícios.” No entanto, Rose alerta que ainda ficou um vazio muito grande no que se trata do uso compartilhado do rio com a Marinha e que a Sepromi, que também esteve no encontro de domingo, continua sem ação. Outro encaminhamento importante foi que o Governo do Estado da Bahia se reuniria com eles. Rose e o Quilombo Rio dos Macacos ainda estão aguardando o chamado. 




Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania

O Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Sílvio Almeida, recebeu em seu gabinete a nossa comitiva formada por lideranças de comunidades quilombolas da Bahia, de Sergipe, do Pará e do Amapá, assessores da Rede Cáritas, a Coordenação Colegiada Nacional e representantes da Cáritas Alemanha.

As lideranças entregaram ao ministro a carta com relatos e denúncias de ameaças e conflitos nos territórios quilombolas acompanhados pela Cáritas Brasileira nos regionais Norte 2 e Nordeste 3. “Estamos aqui para pedir socorro ao Ministério e ao senhor ministro. Essas empresas estão avançando todos os dias nas nossas terras. Sofremos perseguição e nossas vidas estão em risco”, disse Maria Izaltina Silva Santos, representante do Território Quilombola Brejão dos Negros, em Sergipe. Maria José de Brito, da comunidade quilombola São José de Icatu, em Cametá (PA), defendeu avanço nos processos de posse das terras quilombolas para ampliar o resguardo legal para as comunidades, não só do Norte e Nordeste, mas de todo o Brasil. Essa seria uma maneira de proteger as famílias quilombolas.

Durante o encontro, Valquíria Lima, da Coordenação Colegiada Nacional da Cáritas Brasileira, reiterou a posição institucional da rede Cáritas com a defesa da vida dos Povos e Comunidades Tradicionais, através da apresentação e acompanhamento das demandas das comunidades via mediação estratégica junto aos órgãos federativos que trabalham diretamente na garantia e proteção dos direitos sociais para as comunidades quilombolas e indígenas.




Outras visitas e recebimento da Carta-Denúncia

Receberam e assinaram a Carta alguns dos participantes das Mesas do nosso Seminário, como a Sra. Edel Moraes (Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural e Sustentável do Ministério do Meio Ambiente), Sr. Ivo Poletto (Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social), Deputado Federal Renato Roseno (PSOL/CE), Sra. Maíra Coraci Diniz e Sra. Maria Rosilene Bezerra Rodrigues (representantes do Incra) e os acima já citados: o Ministro Silvio Almeida e o Senador Paulo Paim. 




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