O Estado brasileiro precisa respeitar o direito dos povos
tradicionais à Consulta Prévia antes de qualquer ação que impacte os
territórios. Essa foi a tônica da fala das lideranças comunitárias acompanhadas
pela Cáritas Brasileira Regional Norte II, através do Programa Global das Comunidades da Nossa América Latina, durante nossa atividade autogestiona “Direito
fundamental a consulta e consentimento: experiencia dos povos e comunidades”
que ocorreu neste sábado, 05, nos Diálogos Amazônicos, em Belém (PA).
Durante o diálogo, representantes dos territórios quilombola
Alto Itacuruçá e ribeirinho Caripetuba, da região das ilhas de Abaetetuba (PA),
relataram suas experiências na organização coletiva para a produção dos
protocolos de consulta e outros instrumentos que precedem a Consulta Livre
Prévia e Informada. E também para a autoproteção por causa do descumprimento do
direito pelos governos.
Atualmente, os territórios são impactados negativamente por
empreendimentos instalados ou que tentam se instalar nesses espaços onde a vida
se move numa relação de integração com o meio ambiente. Osmana e Olívia Dias,
do território Caripetuba, narraram o drama vivido pela comunidade em várias dimensões,
desde que uma empresa internacional de grãos tenta se instalar.
“Desde 2017, se intensifica o processo da empresa tentar se
instalar. Se ela se instalar, é a morte do rio, da floresta, de todos nós
porque somos a extensão do território. Queremos respeitado nosso direito. Pra
garantir, estamos na Justiça. A empresa está articulada com vários
empreendimentos, hidrovias. Está tudo interligado”, contou.
“Estamos resistindo com nossos corpos, nossas vozes. A gente
tem feito trancaços (barreiras com canoas para impedir que barcos entrem com
funcionários no território para tentar convencer as pessoas). A gente usa nossos
corpos, cascos, remos. A empresa está nos matando psicologicamente. Só o fato
da gente viver com medo...será que isso é vida? É saúde? Isso é morte”, relatou
Osmana.
Antes de qualquer tentativa do empreendimento se instalar, o
governo do Estado deveria consultar o território e este poderia exercer o seu
direito ao veto. Liderança do território Alto Itacuruçá e articulador da
Cáritas Brasileira Regional Norte II, Alex Maciel mostrou que parte dos
territórios já se preparou para ser consultado, produzindo seus protocolos e
identificando as potencialidades e ameaças do espaço.
Alex detalhou o passo a passo, reforçando que alguns
procedimentos são imprescindíveis como a auto-organização da comunidade, o
diálogo interno, a decisão de forma coletiva e o reconhecimento do saber local
ancestral que está fortemente ligado à preservação do meio ambiente, mas foi
apagado durante muito tempo pela lógica capitalista.
“Primeiro a comunidade se organiza, mobiliza e dialoga com
ela mesma, nas casas, pra discutir, a partir das legislações, mas a partir do
saber local que deve reconhecido como conhecimento. Ela se consulta se quer e
como vai se adequar às regras pelas quais o país é signatário. Depois vai
decidir de forma coletiva. Quando for necessário, se adequando ao tempo da
comunidade”, pontuou.
“É processo coletivo e ele precisa ser visto a partir do
conhecimento da comunidade. A consulta é pra comunidade ter
autonomia pra decidir”, acrescentou para reforçar que não basta garantir a consulta, mas também o direito ao veto.
Racismo ambiental - O
professor de Direito Agroambiental do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade
Federal do Pará (UFPA) e integrante da CIDHA,
Girolamo Treccani, doutor em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido
(NAEA/UFPA), observou que “nos últimos anos, as comunidades se
viraram e aprenderam a fazer o processo de consulta”, produzindo dezenas de
protocolos que demonstram a capacidade dos territórios construírem normas.
O
defensor público, doutorando e integrante da CIDHA/UFPA, Johny Giffoni, falou
sobre a importância das comunidades construírem seus protocolos e definirem
suas regras sobre como querem ser consultados, mas advertiu que a Consulta
Prévia é um ato administrativo exclusivo do Estado e nenhuma empresa pode assumir
essa tarefa.
Jonhy
também classificou como racismo ambiental a prática de traçar a logística de empreendimentos
dentro dos territórios e não nas grandes propriedades que serão de fato beneficiadas.
“Falaram que a terra não é de vocês, mas é porque vocês são pretos. No
Abacatal, linhas de transmissão atravessam o Território e lá não tem energia.
Por que a ferrovia não passa nas grandes fazendas, mas irá cruzar o Território
do Jambuaçu, em Moju?”, ponderou.
Resultados - Segundo a organização, os relatos dos Diálogos Amazônicos comporão um relatório a ser entregue aos oito presidentes da América Latina que participarão, em Belém, da Cúpula da Amazônia, na terça e quarta, 8 e 9 de agosto. Os dois eventos são preparatórios para a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), em 2025.
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O Programa Global das Comunidades da Nossa América Latina é desenvolvido pela Cáritas Brasileira (Regionais Norte 2 e Nordeste 3), Cáritas Honduras e Colômbia, com o apoio da Cáritas Alemanha e Ministério Alemão para Cooperação e Desenvolvimento.
Em todos os países, as comunidades tradicionais são fortalecidas em suas práticas de convivência com o bioma que colaboram para o equilíbrio do clima global. E também na organização coletiva para que incidam nas políticas públicas voltadas aos seus territórios.