A relatora sobre os Direitos das Pessoas Afrodescendentes e
contra a Discriminação Racial, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), Margarette May Macaulay, esteve no território quilombola do Abacatal,
em Ananindeua (PA), na última sexta-feira, 05. Comitiva da Cáritas Brasileira
(Regionais Norte 2 e Nordeste 3), Colômbia, Honduras e Alemanha acompanhou a
visita. Diante dos relatos de violações aos direitos das comunidades, ela
encorajou as pessoas a oficializarem denúncias à entidade para que o Brasil
possa ser cobrado.
Macaulay explicou que as denúncias colhidas no Brasil serão submetidas aos demais comissários e ao secretariado da CIDH. Cada comissário analisará as informações dentro do tema em que atua, como mulher, criança, memória, verdade e justiça. Mas um em especial terá trabalho mais próximo às comunidades visitadas, pois, é relator sobre direitos ambientais, econômicos e sociais.
A comissária esteve em Belém durante cinco dias, após
cumprir agenda também na capital do Rio de Janeiro. O objetivo da visita
apoiada pelo Instituto Raça e Igualdade foi conferir in loco os relatos feitos
à Comissão nos últimos anos sobre o racismo religioso e ambiental e a violência
cometida por policiais e contra mulheres e homossexuais.
“Estamos muito preocupados com a situação do Brasil. O que
está ocorrendo aqui está ocorrendo em outros países, Estados da América do Sul
e América Central. Entretanto, as estatísticas brasileiras, os números são
assustadores. Na maioria dos outros lugares, de janeiro até agora, você ouve
entre cinco, oito, no máximo nove assassinatos de pessoas. No Brasil, os
números praticamente falam em genocídios”, afirmou.
A própria comissária já testemunhou violência do Estado
“Tenho encontrado e testemunhado a violência do Estado”,
disse ao relatar episódio presenciado em uma de suas visitas ao Brasil. Ela e
um grupo de pessoas de entidades civis foram acompanhar uma manifestação
estudantil e precisaram correr diante da ameaça do forte aparato policial
presente.
“Eu já viajei por todo o mundo e nunca havia visto tanta
polícia, tantas armas, todos os tipos de polícia, carros militares. Vi um grupo
de policiais militares caminhando até a gente. Eles olhavam diretamente pra
nós. Eu só senti alguém me puxar e tirar do caminho deles. Um oficial gritou
algo que não entendi, mas comecei a correr”, contou.
À época, o caso foi relatado diretamente à Comissão que
recebeu a informação sobre estudantes terem sido espancados. Macaulay explica
que a CIDH tem registros de todos os tipos de violações, mas nem sempre os
casos são apresentados com base material como nesse episódio que ela pôde
vivenciar.
Corrupção retira recursos que atenderiam as comunidades
Macauly disse que a Comissão sabe “com detalhe a corrupção
que ocorre no âmbito da governança brasileira”, com desvio de verbas que
deveriam ser aplicadas nas comunidades, permissão para que florestas, igarapés
e plantações fossem destruídos e adoecimento de comunidades inteiras por causa
do uso de químicos que contaminam os solos e as águas.
Em 2018, a Comissão inteira veio ao Brasil, tendo reunido
com diversos ministérios, governos estaduais e municipais, além de
representantes da sociedade civil. E há alguns anos, como juíza da Corte,
Macauly atuou em caso em que o Brasil era réu por manter relações espúrias com
grandes corporações, tendo quebrado acordos com comunidades quilombolas e
indígenas.
“Havia completa má fé em todo o trato. A comissão fez
recomendações, a Corte deu ordens diretas ao Estado brasileiro, mas repetidamente
eles faziam um pouquinho e ignoravam o resto. Por exemplo, com titulação de
terras. Eles davam o título a um ou outro e não davam aos demais, justificando
complicações legais”, explicou.
A expectativa da comissária é que as comunidades e entidades
que as apoiam, como a Cáritas, formalizem mais denúncias para que a Comissão
possa agir. “Como trabalhamos por todo o hemisfério, dependemos e precisamos
dessas informações confiáveis que podemos receber de pessoas confiáveis como a
Cáritas. Podemos ficar tranquilos porque são informações corretas e boas como
sentimos com as informações que recebemos do Baba (babalorixá presente no
Abacatal) e de todos vocês que falaram aqui. Então, nosso trabalho será,
definitivamente, enriquecido”, disse.
Empreendimentos públicos e privados são feitos sem
consulta
Atualmente presidente do Conselho Conselho Municipal de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Ananindeua, Vanuza Cardoso,
liderança do território quilombola do Abacatal, disse que a localização dentro
da Região Metropolitana de Belém torna o espaço coletivo ainda mais ameaçado. Obras
públicas e privadas são instaladas ou estão planejadas para cruzar o espaço,
causando poluição e conflitos.
A lista das principais violações que a comunidade do
Abacatal está sofrendo após 312 anos de existência inclui construção de linhão
de energia elétrica da concessionária, aterro sanitário da RMB gerido pelas
prefeituras, rodovia estadual, conjunto habitacional financiado pelo governo
federal e mineroduto de empresa multinacional, além de escavações para retirada
de areia.
“Ocupar a cadeira do conselho é importante porque Ananindeua
e o Pará precisam de equidade. Precisam nos ver como iguais independente de cor
e gênero. Mas resistir aqui é difícil por estar na Região Metropolitana.
Sofremos o assédio de funcionários. Qualquer empreendimento aqui deveria ser
através da consulta livre, prévia e informada”, enfatizou.
Cáritas tem atuado em apoio às comunidades
A comissária da CIDH disse “estar muito feliz de ter feito
conexão, face a face, com a Cáritas, que tem feito trabalho muito valioso não
só aqui, mas na Colômbia e outros locais da América Latina”. A secretária
executiva da Regional Norte 2, Ivanilde Silva, ressaltou as ações desenvolvidas
nas regiões do Baixo Tocantins, Baixo Amazonas e Marajó, além de Ananindeua,
onde apoia o Abacatal.
Em Salvaterra (Marajó), por exemplo, foi iniciado o apoio à
construção dos protocolos de consulta de dezessete comunidades quilombolas. Em
Abaetetuba (Baixo Tocantins), está sendo prestado apoio jurídico ao Projeto de
Assentamento Agroextrativista Santo Afonso, por causa de apropriação de área
pela empresa Cargil.
Ivanilde disse que a presença de Vanuza em um conselho é um
avanço no fortalecimento dos territórios e deve inspirar outras comunidades a
ocuparem os espaços de deliberação. “Conselho racial, da juventude, da educação.
É importante que vocês ocupem esses espaços para saber o que está se discutindo
sobre os direitos dos quilombolas”, grupo que pratica o bem viver, em que homem
e natureza se completam de forma equilibrada.