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Relatora da Comissão Interamericana de Direitos Humanos considera atuação da Cáritas importante.

Institucional

Margarette May Macaulay visitou o território quilombola do Abacatal, no Pará, para coletar denúncias de racismo ambiental a serem analisadas

Publicação: 08/08/2022



A relatora sobre os Direitos das Pessoas Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Margarette May Macaulay, esteve no território quilombola do Abacatal, em Ananindeua (PA), na última sexta-feira, 05. Comitiva da Cáritas Brasileira (Regionais Norte 2 e Nordeste 3), Colômbia, Honduras e Alemanha acompanhou a visita. Diante dos relatos de violações aos direitos das comunidades, ela encorajou as pessoas a oficializarem denúncias à entidade para que o Brasil possa ser cobrado.

Macaulay explicou que as denúncias colhidas no Brasil serão submetidas aos demais comissários e ao secretariado da CIDH. Cada comissário analisará as informações dentro do tema em que atua, como mulher, criança, memória, verdade e justiça. Mas um em especial terá trabalho mais próximo às comunidades visitadas, pois, é relator sobre direitos ambientais, econômicos e sociais.

A comissária esteve em Belém durante cinco dias, após cumprir agenda também na capital do Rio de Janeiro. O objetivo da visita apoiada pelo Instituto Raça e Igualdade foi conferir in loco os relatos feitos à Comissão nos últimos anos sobre o racismo religioso e ambiental e a violência cometida por policiais e contra mulheres e homossexuais.

“Estamos muito preocupados com a situação do Brasil. O que está ocorrendo aqui está ocorrendo em outros países, Estados da América do Sul e América Central. Entretanto, as estatísticas brasileiras, os números são assustadores. Na maioria dos outros lugares, de janeiro até agora, você ouve entre cinco, oito, no máximo nove assassinatos de pessoas. No Brasil, os números praticamente falam em genocídios”, afirmou.


A própria comissária já testemunhou violência do Estado

“Tenho encontrado e testemunhado a violência do Estado”, disse ao relatar episódio presenciado em uma de suas visitas ao Brasil. Ela e um grupo de pessoas de entidades civis foram acompanhar uma manifestação estudantil e precisaram correr diante da ameaça do forte aparato policial presente.

“Eu já viajei por todo o mundo e nunca havia visto tanta polícia, tantas armas, todos os tipos de polícia, carros militares. Vi um grupo de policiais militares caminhando até a gente. Eles olhavam diretamente pra nós. Eu só senti alguém me puxar e tirar do caminho deles. Um oficial gritou algo que não entendi, mas comecei a correr”, contou.

À época, o caso foi relatado diretamente à Comissão que recebeu a informação sobre estudantes terem sido espancados. Macaulay explica que a CIDH tem registros de todos os tipos de violações, mas nem sempre os casos são apresentados com base material como nesse episódio que ela pôde vivenciar.


Corrupção retira recursos que atenderiam as comunidades

Macauly disse que a Comissão sabe “com detalhe a corrupção que ocorre no âmbito da governança brasileira”, com desvio de verbas que deveriam ser aplicadas nas comunidades, permissão para que florestas, igarapés e plantações fossem destruídos e adoecimento de comunidades inteiras por causa do uso de químicos que contaminam os solos e as águas.

Em 2018, a Comissão inteira veio ao Brasil, tendo reunido com diversos ministérios, governos estaduais e municipais, além de representantes da sociedade civil. E há alguns anos, como juíza da Corte, Macauly atuou em caso em que o Brasil era réu por manter relações espúrias com grandes corporações, tendo quebrado acordos com comunidades quilombolas e indígenas.

“Havia completa má fé em todo o trato. A comissão fez recomendações, a Corte deu ordens diretas ao Estado brasileiro, mas repetidamente eles faziam um pouquinho e ignoravam o resto. Por exemplo, com titulação de terras. Eles davam o título a um ou outro e não davam aos demais, justificando complicações legais”, explicou.

A expectativa da comissária é que as comunidades e entidades que as apoiam, como a Cáritas, formalizem mais denúncias para que a Comissão possa agir. “Como trabalhamos por todo o hemisfério, dependemos e precisamos dessas informações confiáveis que podemos receber de pessoas confiáveis como a Cáritas. Podemos ficar tranquilos porque são informações corretas e boas como sentimos com as informações que recebemos do Baba (babalorixá presente no Abacatal) e de todos vocês que falaram aqui. Então, nosso trabalho será, definitivamente, enriquecido”, disse.


Empreendimentos públicos e privados são feitos sem consulta

Atualmente presidente do Conselho Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Ananindeua, Vanuza Cardoso, liderança do território quilombola do Abacatal, disse que a localização dentro da Região Metropolitana de Belém torna o espaço coletivo ainda mais ameaçado. Obras públicas e privadas são instaladas ou estão planejadas para cruzar o espaço, causando poluição e conflitos.

A lista das principais violações que a comunidade do Abacatal está sofrendo após 312 anos de existência inclui construção de linhão de energia elétrica da concessionária, aterro sanitário da RMB gerido pelas prefeituras, rodovia estadual, conjunto habitacional financiado pelo governo federal e mineroduto de empresa multinacional, além de escavações para retirada de areia.

“Ocupar a cadeira do conselho é importante porque Ananindeua e o Pará precisam de equidade. Precisam nos ver como iguais independente de cor e gênero. Mas resistir aqui é difícil por estar na Região Metropolitana. Sofremos o assédio de funcionários. Qualquer empreendimento aqui deveria ser através da consulta livre, prévia e informada”, enfatizou.


Cáritas tem atuado em apoio às comunidades

A comissária da CIDH disse “estar muito feliz de ter feito conexão, face a face, com a Cáritas, que tem feito trabalho muito valioso não só aqui, mas na Colômbia e outros locais da América Latina”. A secretária executiva da Regional Norte 2, Ivanilde Silva, ressaltou as ações desenvolvidas nas regiões do Baixo Tocantins, Baixo Amazonas e Marajó, além de Ananindeua, onde apoia o Abacatal.

Em Salvaterra (Marajó), por exemplo, foi iniciado o apoio à construção dos protocolos de consulta de dezessete comunidades quilombolas. Em Abaetetuba (Baixo Tocantins), está sendo prestado apoio jurídico ao Projeto de Assentamento Agroextrativista Santo Afonso, por causa de apropriação de área pela empresa Cargil.

Ivanilde disse que a presença de Vanuza em um conselho é um avanço no fortalecimento dos territórios e deve inspirar outras comunidades a ocuparem os espaços de deliberação. “Conselho racial, da juventude, da educação. É importante que vocês ocupem esses espaços para saber o que está se discutindo sobre os direitos dos quilombolas”, grupo que pratica o bem viver, em que homem e natureza se completam de forma equilibrada.


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